Anelise Daniela Schinaider, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6832-1319; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - Campus Tauá, Departamento de Ensino no eixo Gestão e Negócios, Tauá, Ceará, Brasil
Alice Benevenuto Pereira, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2961-1724, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - Campus Tauá, Departamento de Ensino no eixo Gestão e Negócios, Tauá, Ceará, Brasil
Resumo
A mulher rural é vista no ambiente onde ela trabalha como ajudante, o que reforça a invisibilidade da sua força de trabalho e a desigualdade de gênero, sobretudo na região Nordeste. Para reverter este problema, as características empreendedoras facilitam o processo de autoconhecimento e empoderamento destas mulheres rurais. Estas características adquiridas por meio da experiência empírica ou troca de saberes em grupo facilita a gestão da propriedade rural. Objetiva-se mapear o perfil e correlacionar as características empreendedoras da mulher rural do Sertão dos Inhamuns. Foi realizada uma pesquisa do tipo survey, onde foram aplicados 131 questionários para as mulheres rurais na região Sertão dos Inhamuns, situada no Estado do Ceará, entre dezembro de 2021 a fevereiro de 2022. Conclui-se que embora elas apresentam as características empreendedoras, como Competência, Compartilhamento de risco, Planejamento, dentre outras, existe a necessidade de potencializá-las e disseminar técnicas de gestão.
Palavras-chave: Mulher rural; Características empreendedoras; Região Nordeste.
Abstract
The rural woman is seen in the environment where she works as a helper, which reinforces the invisibility of her workforce and gender inequality, especially in the Northeast region. To reverse this problem, entrepreneurial characteristics facilitate the process of self-recognition and empowerment of these rural women. These characteristics acquired through empirical experience or exchange of knowledge in groups facilitate the management of rural properties. The objective is to map the profile and correlate the entrepreneurial characteristics of rural women in the Sertão dos Inhamuns. A survey-type research was carried out, where 131 questionnaires were applied to rural women in the Sertão dos Inhamuns region, located in the State of Ceará, between December 2021 and February 2022. Concluded that although they have entrepreneurial characteristics, such as Competence, Risk sharing, Planning, among others, there is a need to leverage them and disseminate management techniques.
Keywords: Rural woman; Entrepreneurial characteristics; Northeast Region.
Dia após dia as mulheres enfrentam batalhas para buscar seu espaço na sociedade. Se em grandes centros urbanos essa batalha está presente constantemente, então no meio rural a desigualdade de gênero, o patriarcado e a divisão sexual de trabalho causam ainda mais a desvalorização do trabalho da mulher rural (Silva, 2019). Pittalis e Dias (2019) revelam que as mulheres do campo reconhecem o preconceito, a falta de reconhecimento e a luta enfrentada diariamente por elas.
Conforme a Food and Agriculture Organization [FAO] – no Brasil, as mulheres são responsáveis por mais da metade da produção de alimentos do mundo, os quais são oriundos da agricultura familiar. Estas mulheres executam um papel importante na biodiversidade e promovem a soberania e a segurança alimentar ao se dedicarem em produzir alimentos saudáveis. Contudo, apenas 30% são donas de suas próprias terras formais, 10% conseguem ter acesso à crédito rural e 5% à assistência técnica agrícola (FAO, 2017). De acordo com o último Censo Agropecuário (2017), apenas 947 mil propriedades rurais são gerenciadas por mulheres, ou seja, apenas 8,5% do total de área ocupada de propriedades rurais no território nacional. Ainda, 31% das mulheres não adquirem informações e das que adquirem, 9,6% buscam por meio de reuniões técnicas e seminários e 8,8% pela internet, enquanto 14,3% dos homens têm acesso às informações através de reuniões e seminários e 13% por meio da internet (Censo Agropecuário, 2017).
A falta de informação técnica e de qualificação profissional reforça a desigualdade de gênero no meio rural. Lima (2017) afirma que estas condições apenas corroboram para a dependência financeira e desvalorização do trabalho da mulher rural. A mulher empreendedora ainda enfrenta diversas barreiras, como a preocupação pela falta de capital, a utilização inadequada do dinheiro para a criação da empresa, o medo de fracassar (Lockyer & George, 2012), além das tarefas domésticas direcionadas à ela. Além disso, existem barreiras institucionais como a exigência de garantias a partir das instituições financeiras que fornecem crédito e, pelo fato das mulheres dependentes dos maridos não conseguem atender aos requisitos para liberação do crédito junto ao banco (Barbosa et al., 2011), causando constrangimento.
Por outro lado, quando se oferecem espaços, escuta e oportunidades para essas mulheres, esses tendem a facilitar o processo de autoreconhecimento e do empoderamento (Pittalis & Dias, 2019). O trabalho em equipe e a união entre essas mulheres ganham forças para enfrentar os desafios e promover a igualdade de gênero. As autoras Moraes e Nascimento (2021) e Campos (2014) ressaltam que o empoderamento da mulher rural surge muitas vezes a partir do convívio de grupos ou comunidades rurais.
A representatividade feminina nos negócios tem tido um aumento na inovação quanto às formas de trabalho, isto é, o empreendedorismo feminino tem tido habilidades para conduzir mudanças relevantes na sociedade e na economia (Silva et al., 2022). E as características empreendedoras por vezes podem ser desenvolvidas no momento em que estas mulheres estão incluídas nos seus grupos de representatividade. No meio rural, Cella e Peres (2002) identificam em seus estudos algumas características empreendedoras como: competência, compartilhamento de risco, planejamento, envolvimento da família, meio ambiente, fator financeiro, gerenciamento pessoal, organização da produção, aproveitamento de oportunidade e experiência comercial.
Contudo, os estudos voltados para empreendedorismo no meio rural são incipientes (Ferreira et al., 2017), sobretudo na regiões nordestinas, como no Sertão dos Inhamuns, o qual é composto por cinco municípios: Aiuaba, Arneiroz, Quiterianópolis, Parambu e Tauá do estado do Ceará. Esta região constitui-se em sua maior parte da agricultura familiar, onde a pecuária tem forte atuação na renda e na segurança alimentar (Silva et al., 2018). Nos cinco municípios, a agropecuária é a segunda atividade econômica mais rentável, conforme o Produto Interno Bruto Municipal, considerando Aiuaba com 15% de participação, Arneiroz com 13,5%, Quiterianópolis de 11,7%, Parambu com aproximadamente 13% e Tauá com acima de 10% (IPECE, 2017). Contudo, Pittalis e Dias (2019) revelam em seu estudo realizado no Território dos Inhamuns, mais especificamente em Crateús do estado do Ceará, de que o trabalho laboral na atividade agrícola das mulheres ainda é visto como ajuda, as quais são condicionadas à invisibilidade e à vulnerabilidade.
A representação e reconhecimento do trabalho da mulher rural da sua comunidade por meio das suas características empreendedoras, citadas por Cella e Peres (2002), promovem alternativas formais, a partir de projetos, grupos, associações, com o intuito de aprimorar suas habilidades e sua capacitação profissional. Em seu estudo, Campos (2014) concluiu que a valorização da atividade laboral da mulher rural lhe permite sua autonomia financeira, concedendo a possibilidade de opinar na propriedade rural. Melo, Alves e Paashaus Junior (2016) corroboram que a união das mulheres rurais em busca de autonomia em seus espaços auxilia na integração com a sociedade e no desenvolvimento sustentável.
Caracterizar o perfil das mulheres rurais do Sertão dos Inhamuns com base nas características empreendedoras tem por finalidade a solução de problemas enfrentados por elas diariamente na sociedade, como a desvalorização e a falta de reconhecimento delas em seus espaços como direito social. Os autores Melo, Alves e Paashaus Junior (2016) enfatizam que o enfrentamento desses e de outros problemas apenas contribui para o aprimoramento do empreendedorismo, a qualidade de vida, o bem-estar social e inclusão social destas mulheres rurais.
Diante dos argumentos, elabora-se a seguinte pergunta de pesquisa: Quais são as características empreendedoras da mulher rural do Sertão dos Inhamuns? Para respondê-la, foram traçados alguns objetivos, dentre eles: identificar o perfil desta mulher rural; mapear e correlacionar as características empreendedoras da mulher rural do Sertão dos Inhamuns. Além da Introdução, o artigo tem as seguintes seções: a Fundamentação Teórica que suporta toda a pesquisa científica; a Metodologia utilizada para responder o problema de pesquisa; a Apresentação dos Resultados e Discussões e, por fim, as Conclusões acerca dos achados.
Se a desigualdade de gênero ficou mais evidente com a pandemia da Covid-19 no meio urbano (SEBRAE, 2021), então para as mulheres rurais a busca pela valorização e reconhecimento do seu trabalho ficou fragilizada. Conforme a FAO (2017), as mulheres rurais são vítimas de preconceito no mercado de trabalho rural e são responsáveis por mais da metade do trabalho não remunerado. Ainda, elas se desdobram no cuidado com os filhos, com a casa e com os afazeres domésticos.
Em contrapartida, são as mulheres rurais as responsáveis pela metade da produção de alimentos no mundo (FAO, 2017); são as mulheres pescadoras do Território dos Inhamuns/Crateús-CE que realizam o beneficiamento até à venda do pescado, bem como o cuidado com o meio ambiente e os recursos naturais (Pittalis & Dias, 2019); são as trabalhadoras nordestinas chamadas de “desviantes” que mudam sua rota e criam um projeto de vida em busca de liberdade, porque já tiveram relacionamentos afetivo-sexuais heteronormativos e abusivos (Moraes & Nascimento, 2021); e são os grupos de mulheres, de pesquisa e sindicatos rurais que oferecem alternativas, disseminando o conhecimento e promovendo o desenvolvimento rural (Campos, 2014).
A discussão de gênero no meio rural brasileiro ainda tem sido incipiente na literatura científica ao longo dos anos. Saffioti e Ferrante (1987) deixam evidente na introdução de seu estudo que no Brasil são poucas ou reduzidas as pesquisas sobre a mulher rural. Quando se aborda esta temática de desigualdade de gênero, observa-se que, por exemplo, a noção de violência ou de minorar a mulher nem sempre era compreendida como algo negativo na sociedade. A violência era uma forma de “educar” as mulheres que desrespeitarem a hierarquia masculina (Vigano & Laffin, 2020). Bourdieu (2007) evidencia que o contexto social ainda institucionaliza de que é o papel do homem prover o sustento à família.
Entretanto, com a mobilização das mulheres rurais na Marcha das Margaridas, ocorrida a partir dos anos 2000, começaram a promover o reconhecimento e a criação de políticas públicas voltadas para as mulheres rurais (Zumak, 2019). As políticas públicas voltadas para as mulheres rurais, como o Pronaf Mulher, implementam ações pautadas no reconhecimento do empreendedorismo feminino no campo (Zumak, 2019). O empreendedorismo feminino desperta o interesse por parte dos órgãos públicos e do meio acadêmico, a fim de promover políticas públicas e compreender este fenômeno no contexto social (Noguera et al., 2013).
Vale ressaltar que o reconhecimento do trabalho da mulher rural geralmente não acompanha a sua efetiva participação nas unidades produtivas agrícolas. Para mudar este cenário, existem duas formas de reconhecer: o Estado deve realizar a implementação de políticas públicas; e as instituições de ensino devem mapear as características empreendedoras da mulher agricultora (Zumak, 2019; Ferreira et al., 2017). Silva et al. (2019) revelam que 83% das mulheres são resilientes no sentido de motivação para enfrentar os obstáculos no empreendimento.
McClelland (1961) ressalta que existem três motivos responsáveis pelo comportamento humano no ambiente de negócios: realização, poder e afiliação (planejamento). A realização se relaciona à superação de padrões de excelência; o poder está associada ao desejo de ser forte e de influenciar pessoas ao seu redor; e a afiliação, conhecida também como planejamento, se vincula pela presença e valorização de relacionamentos saudáveis e que geram cooperação entre si (Ferreira et al., 2006). Teixeira et al. (2021) afirmam que algumas mulheres possuem naturalmente o espírito de liderança e de gerência. Administrar o seu próprio negócio induz à mulher empreendedora a produção de potencialidades, autonomia, autoestima, independência financeira, entre outros benefícios que podem ser observados (Rodrigues et al., 2011).
As características empreendedoras favorecem para que a mulher se sobressaia em relação aos diversos desafios enfrentados no meio rural. Ter as seguintes características empreendedoras identificadas por McClelland como: Busca de Oportunidades e Iniciativa; Estabelecimento de Metas; Planejamento e Monitoramento Sistemático; Busca de Informações; Correr Riscos Calculados; Exigência de Qualidade e Eficiência; Comprometimento; Persistência; Persuasão e Rede de Contatos; e Independência e Autoconfiança (Greatti & Senhorini, 2000) – faz com que as mulheres prosperam e potencializam o seu protagonismo no mercado. No ato em que se desenvolvem essas características empreendedoras no meio rural, o empreendedorismo em si se torna a principal “arma” para o desenvolvimento e atração de novas mulheres rurais (Ferreira et al., 2017; Akgün et al., 2011), gerando um ambiente com impacto social, econômico, tecnológico e ambiental.
As autoras Moraes e Nascimento (2021) e Campos (2014) ressaltam que o empoderamento da mulher rural surge muitas vezes a partir do convívio de grupos ou comunidades rurais. As mulheres rurais obtêm seu espaço e sua valorização enquanto trabalhadoras rurais a partir do engajamento de associações, cooperativas ou grupos informais, que possuem de certa forma um objetivo em comum. Para Melo, Alves e Paashaus Junior (2016), a troca de saberes empíricos entre os membros de determinada associação contribui para a melhoria nos negócios rurais.
Nesse sentido, o empoderamento está atrelado às características empreendedoras que as próprias mulheres rurais possuem ou que de alguma forma elas desenvolvem no momento em que estão incluídas nos grupos locais. Cella e Peres (2002) salientam que algumas características empreendedoras, considerando no contexto rural, podem ser listadas: competência, compartilhamento de risco, planejamento, envolvimento da família, meio ambiente, fator financeiro, gerenciamento pessoal, organização da produção, aproveitamento de oportunidade e experiência comercial. O Quadro 1 apresenta as características empreendedoras da mulher rural e a definição de cada uma delas.
Quadro 1- Características empreendedoras da mulher rural
Características empreendedoras |
Definição |
Competência |
Conhecimentos técnicos e produtivos, aptidões, habilidades e atitudes que direcionam a empreendedora rural na tomada de decisão. |
Compartilhamento de risco |
Realização de parcerias; associações de exploração agropecuária. |
Planejamento |
Divulgação das atividades rotineiras a todos os envolvidos; esclarecimentos quanto às direções futuras da propriedade. |
Envolvimento da família |
Capaz de absorver ou envolver a mão de obra familiar na atividade produtiva ou de envolvê-la com aspectos relacionados ao planejamento e gerenciamento dos negócios fora da propriedade. |
Meio ambiente |
A preservação do meio ambiente é um dos elementos essenciais para uma produtora rural de sucesso. |
Fator financeiro |
A análise das condições financeiras permite a compreensão do empreendimento rural; sintetiza as consequências financeiras devido à escolha de determinada estratégia. |
Gerenciamento pessoal |
Capacidade do produtor em obter trabalhadores habilitados, tornando as tarefas mais eficientes possíveis. |
Organização da produção |
Identifica a capacidade de produção dado os recursos disponíveis e alavanca seus recursos por meio de parcerias. |
Aproveitamento de oportunidade |
Determina e reavalia a sequência de operações essenciais para a produção, agregando novas informações ao planejamento. |
Experiência comercial |
Conhecimento do empreendedor em questões comerciais em vista de sua experiência pessoal e dos resultados obtidos anteriormente; tem a capacidade para determinar a melhor estratégia de compra e venda. |
Fonte: Adaptado de Cella e Peres (2002).
Ressalta-se que estas características se relacionam com as características empreendedoras citadas por McClelland, em seus estudos. A empreendedora rural busca aumentar o seu poder político, econômico e social (Silva, 2010), já que para elas, conforme Simon (2020), a luta que ocorre em diversas escalas, altera a vida social, econômica e política da classe trabalhadora das mulheres do campo na América Latina e no mundo.
Cabe ainda destacar que embora o empreendedorismo no meio rural tem tendência a não ocorrer por motivos, conforme Ribeiro e Almeida (2009), tais como: envelhecimento da população rural; falta de investimento e de oportunidades; ausência de jovens empreendedores rurais; e a formação dada é escassa, com o objetivo de promover conhecimentos e capacitar essas jovens rurais. O empreendedorismo rural ganha destaque quando desenvolve a economia, estimulando um mercado competitivo e o surgimento de novas oportunidades (Ferreira et al., 2017).
Para obter a resposta da pergunta de pesquisa, foram descritos alguns procedimentos metodológicos, considerando o método e tipo de pesquisa, o tipo e definição da amostra, a formulação e aplicação dos instrumentos de coleta de dados, e, por fim, a tabulação, análise e interpretação dos dados.
Em relação ao método e tipo de pesquisa, foi realizada uma pesquisa de abordagem quantitativa, uma vez que a opinião de determinado indivíduo pode ser traduzida em números. Ainda, quanto à sua natureza, deu-se por uma pesquisa aplicada, a fim de gerar conhecimentos por meio da solução de problemas específicos e por envolver verdades e interesses locais. E, além disso, o objetivo se comportou como uma pesquisa descritiva por descrever determinada população que se relaciona com as variáveis da pesquisa, bem como o envolvimento de técnicas padronizadas, como questionários (Moresi, 2003).
Quanto ao tipo e definição da amostra, foi utilizada uma pesquisa do tipo survey, porque foram coletadas informações de um determinado grupo significativo de pessoas. Partindo dessa hipótese, a amostra foi definida como não-probabilística por quotas, uma vez que o objeto de pesquisa são mulheres rurais do Sertão dos Inhamuns, cuja característica foi levada em consideração (Kauark et al., 2010; Moresi, 2003). Vale reforçar que, conforme descrito na Introdução, o Sertão dos Inhamuns é constituído por cinco municípios do estado do Ceará, sendo eles: Aiuaba, Arneiroz, Quiterianópolis, Parambu e Tauá. E todos possuem como a segunda maior atividade econômica a agropecuária e são constituídos em sua maior parte pela agricultura familiar. Foram obtidos 131 questionários que foram respondidos por mulheres rurais que moram em um dos cinco municípios da região. As fontes iniciais que facilitaram o envio do questionário às mulheres rurais foram os órgãos públicos do recorte geográfico (Sertão dos Inhamuns), como a Ematerce e o Instituto Federal do Ceará - campus Tauá. O questionário foi enviado entre os meses de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022, totalizando 3 meses de coleta de dados.
Em relação à formulação e aplicação do instrumento de coleta de dados, foi construído um questionário pelo Google.Forms contendo 35 variáveis a partir de questões fechadas e de escala Likert, variando de 1 a 5 pontos. Vale destacar que o questionário foi estruturado de acordo com os estudos de Cella e Peres (2002); Ferreira, Lasso e Mainardes (2017) e Pittalis e Dias (2019), contendo 3 principais partes: 1- Perguntas Iniciais; 2- Características empreendedoras; e 3- Características socioeconômicas, conforme o Quadro 2 a seguir.
Quadro 2 – Variáveis do instrumento de coleta de dados
Partes principais |
Características empreendedoras |
Variáveis |
Perguntas Iniciais com variáveis fechadas |
|
1. Você trabalha no meio rural? |
2. Qual é o município que você mora? |
||
Características empreendedoras com variáveis de Escala Likert |
Competência |
3. Eu sei trabalhar no meio rural, com a pecuária e agricultura. Ex.: saber ordenhar a vaca e plantar alface. |
4. Eu tenho habilidade para trabalhar no meio rural |
||
5. Com o que eu sei, eu consigo tomar uma melhor decisão na atividade agropecuária. Ex.: lidar com a vaca no horário certo para fazer a ordenha. |
||
Compartilhamento de risco |
6. Eu crio parcerias com as vizinhas que me ajudam na produção agropecuária. |
|
7. Os órgãos institucionais (Ex.: Ematerce, Sindicatos Rurais, Cooperativas, etc.) têm me ajudado na produção agropecuária. |
||
Planejamento |
8. Eu faço reunião com a minha família para definir o que é melhor para as atividades agropecuárias. |
|
9. Eu planejo a rotina da propriedade rural. |
||
Envolvimento da família |
10. Todos os membros estão envolvidos nas atividades agropecuárias. |
|
11. Cada membro é responsável por determinada atividade agropecuária. |
||
Meio ambiente |
12. Eu acredito que preservar o meio ambiente tem impacto positivo nas atividades agropecuárias. |
|
13. É frequente o uso de queimadas nas atividades do meio rural. Ex.: realizar queimadas antes de plantar uma determinada cultura. |
||
14. Embalagens de agrotóxicos (ex.: defensivos agrícolas ou de fungicida) são recolhidas pela Prefeitura Municipal. |
||
Fator financeiro |
15. Eu pesquiso antes de assinar uma linha de financiamento agropecuária. |
|
16. Eu e a minha família anotamos todos os custos/gastos envolvidos na produção agropecuária. |
||
17. Eu sei o quanto obtemos de lucro em cada atividade agropecuária. |
||
Gerenciamento pessoal |
18. Eu entro em contato com as vizinhas para buscar mão de obra, se for necessário. |
|
19. Se precisar, eu busco técnicos agrícolas ou veterinários para trabalhar na atividade agropecuária. |
||
Organização da produção |
20. Eu utilizo o máximo dos recursos naturais que estão no meio rural. |
|
21. Eu apenas produzo algo na minha propriedade rural, porque o solo é fértil e a quantidade de hectares são suficientes. |
||
Aproveitamento de oportunidade |
22. Sempre busco a melhor oportunidade para melhorar o meio rural. |
|
23. Eu aplico as informações obtidas em cursos online ou palestras no meio rural. |
||
Experiência comercial |
24. Eu sei como vender determinado produto agropecuário para o cliente. |
|
25. Eu faço marketing, pensando no produto, no preço, na propaganda e no ponto de venda. |
||
26. Se não estou vendendo muito, eu busco melhorar as oportunidades de venda. |
||
Características socioeconômicas com variáveis fechadas |
|
27. Faixa etária |
28. Qual é a atividade agrícola mais presente na propriedade rural? |
||
29. Quanto tempo você está no meio rural? |
||
30. Você participa de algum grupo de mulheres nas redes sociais (Facebook, WhatsApp ou Instagram)? |
||
31. Qual é o seu nível de escolaridade completo? |
||
32. Quais são os cursos de aperfeiçoamento que geralmente você faz? (Marque mais de uma opção, se necessário): |
||
33. Qual é aproximadamente a renda bruta total familiar? (salário mínimo atual R$ 1.100,00): |
||
34. Quantos membros da família vivem na propriedade rural? |
||
35. Qual é o seu estado civil? |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Nesta seção, foram apresentados os resultados e discussões da pesquisa sobre o perfil socioeconômico e as características empreendedoras da mulher rural do Sertão dos Inhamuns.
Quanto ao perfil socioeconômico, as mulheres rurais do Sertão dos Inhamuns possuem uma faixa etária de 41 a 50 anos, trabalham na agricultura e na pecuária, estão há mais de 20 anos no meio rural, possuem apenas ensino fundamental, têm uma renda bruta menos de 2 salários mínimos, são casadas, existem de 4 a 5 membros morando na propriedade rural, a maioria não participa nos grupos de redes sociais e quando busca algum curso de aperfeiçoamento, em geral são as lives das redes sociais, como Facebook, Instagram, etc. Conforme Rocha e Carvalho (2022), geralmente as mulheres rurais possuem este tipo de perfil demográfico, com faixa etária acima de 45 anos de idade, casadas e com baixo nível de escolaridade. Embora a baixa escolaridade seja um fator interveniente para que elas possam progredir no campo, a faixa etária e o tempo de trabalho no campo também auxiliam a mulher rural a tomar as melhores decisões baseadas na experiência de vida.
Em seguida, foram elencadas as dez características empreendedoras da mulher rural identificadas por Cella e Peres (2002) com base nas características empreendedoras pesquisadas por McClelland (1961). O Quadro 3 apresenta as características empreendedoras, as suas variáveis, a frequência absoluta e a frequência relativa das respostas em escala Likert.
Quadro 3 – Características empreendedoras presentes na mulher rural do Sertão dos Inhamuns
Características empreendedoras |
Variáveis |
Média da escala Likert |
Frequência relativa |
Frequẽncia absoluta |
Competência |
3. Eu sei trabalhar no meio rural, com a pecuária e agricultura. Ex.: saber ordenhar a vaca e plantar alface. |
4 |
50% |
66 |
4. Eu tenho habilidade para trabalhar no meio rural |
4 |
54% |
71 |
|
5. Com o que eu sei, eu consigo tomar uma melhor decisão na atividade agropecuária. Ex.: lidar com a vaca no horário certo para fazer a ordenha. |
4 |
43% |
56 |
|
Compartilhamento de risco |
6. Eu crio parcerias com as vizinhas que me ajudam na produção agropecuária. |
3 |
32% |
42 |
7. Os órgãos institucionais (Ex.: Ematerce, Sindicatos Rurais, Cooperativas, etc.) têm me ajudado na produção agropecuária. |
3 |
26% |
34 |
|
Planejamento |
8. Eu faço reunião com a minha família para definir o que é melhor para as atividades agropecuárias. |
4 |
40% |
53 |
9. Eu planejo a rotina da propriedade rural. |
4 |
49% |
64 |
|
Envolvimento da família |
10. Todos os membros estão envolvidos nas atividades agropecuárias. |
4 |
27% |
36 |
11. Cada membro é responsável por determinada atividade agropecuária. |
3 |
33% |
43 |
|
Meio ambiente |
12. Eu acredito que preservar o meio ambiente tem impacto positivo nas atividades agropecuárias. |
4 |
48% |
63 |
13. É frequente o uso de queimadas nas atividades do meio rural. Ex.: realizar queimadas antes de plantar uma determinada cultura. |
4 |
43% |
56 |
|
14. Embalagens de agrotóxicos (ex.: defensivos agrícolas ou de fungicida) são recolhidas pela Prefeitura Municipal. |
2 |
41% |
54 |
|
Fator financeiro |
15. Eu pesquiso antes de assinar uma linha de financiamento agropecuária. |
4 |
39% |
51 |
16. Eu e a minha família anotamos todos os custos/gastos envolvidos na produção agropecuária. |
4 |
45% |
59 |
|
17. Eu sei o quanto obtemos de lucro em cada atividade agropecuária. |
4 |
42% |
55 |
|
Gerenciamento pessoal |
18. Eu entro em contato com as vizinhas para buscar mão de obra, se for necessário. |
4 |
46% |
60 |
19. Se precisar, eu busco técnicos agrícolas ou veterinários para trabalhar na atividade agropecuária. |
4 |
40% |
52 |
|
Organização da produção |
20. Eu utilizo o máximo dos recursos naturais que estão no meio rural. |
4 |
48% |
63 |
21. Eu apenas produzo algo na minha propriedade rural, porque o solo é fértil e a quantidade de hectares são suficientes. |
4 |
50% |
66 |
|
Aproveitamento de oportunidade |
22. Sempre busco a melhor oportunidade para melhorar o meio rural. |
4 |
60% |
79 |
23. Eu aplico as informações obtidas em cursos online ou palestras no meio rural. |
2 |
28% |
37 |
|
Experiência comercial |
24. Eu sei como vender determinado produto agropecuário para o cliente. |
4 |
53% |
69 |
25. Eu faço marketing, pensando no produto, no preço, na propaganda e no ponto de venda. |
3 |
32% |
42 |
|
26. Se não estou vendendo muito, eu busco melhorar as oportunidades de venda. |
4 |
50% |
65 |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Conforme o Quadro 3, a primeira característica empreendedora observada na mulher rural do Sertão dos Inhamuns foi a “Competência”, em que 50% concordam que sabem trabalhar no meio rural, como na pecuária e na agricultura; 54% disseram que tem habilidade para trabalhar no meio rural; e 43% concordam que a partir do que sabem, conseguem tomar uma melhor decisão na atividade agropecuária. Conforme Rosa et al. (2022), as características femininas como a competência e o comprometimento são relevantes para a tomada de decisão no empreendedorismo feminino, sobretudo, no meio rural. Teixeira et al. (2021) corroboram que o espírito de liderança e gerência são refletidos nos negócios comandados pelas mulheres.
Outra característica empreendedora observada foi o “Compartilhamento de risco”, em que elas não compartilham o risco entre as vizinhas do meio rural (32%), mas que buscam esse apoio nos órgãos institucionais como Ematerce e Sindicatos Rurais (26%). Medeiros (2011) ressalta que o contexto social em que a mulher rural se encontra a define desde aspectos culturais e religiosos, criando influência sobre a sua maneira de compartilhar o risco das atividades rurais. Ainda, é por meio destes órgãos institucionais que as políticas públicas são disseminadas no campo (Zumak, 2019). Também, a média das respostas conforme a escala Likert obteve como grau 3, elucidando que as mulheres rurais têm dificuldades de compartilhar o risco e ao mesmo tempo buscam outros meios para mitigar tal risco.
A característica empreendedora “Planejamento” teve destaque para as mulheres rurais do Sertão dos Inhamuns, pois além de boa parte (40%) fazer reunião com os seus membros da família para definir o que é melhor para as atividades agropecuárias, também 49% afirmam que planejam a rotina da propriedade rural. Essas informações se relacionam com a característica empreendedora “Envolvimento na família”, em que 27% dos membros da família são envolvidos nas atividades agropecuárias e 33% afirmam que cada membro da família é responsável por determinada atividade agropecuária. Logo, o planejamento com o envolvimento dos membros é essencial para desenhar o caminho que a propriedade rural deverá seguir nos próximos anos, conforme os objetivos traçados pela família rural (SENAR, 2012). Estas duas características podem ser observadas nos três motivos que moldam o comportamento humano, conforme McClelland (1961), sendo a realização, o poder e a afiliação, ou conhecida também como planejamento.
A característica empreendedora “Meio ambiente” que se relaciona fortemente com as peculiaridades que a agricultura possui, como as mudanças climáticas observadas neste ambiente, observa-se que 48% entendem que preservar o meio ambiente causa um impacto positivo nas atividades agropecuárias. Por outro lado, 43% afirmam que faz uso de queimadas para produzir determinada cultura; e 41% revelam que a Prefeitura Municipal da região não recolhe as embalagens de defensivos agrícolas ou fungicidas. O uso de técnicas agrícolas ou de defensivos agrícolas, que de alguma forma degradem o meio ambiente, estão presentes nas regiões brasileiras. A maioria dos agricultores brasileiros não sabe compreender o que está escrito na bula de um defensivo agrícola ou qual seria o descarte correto após o uso (Bohner et al., 2013). Por outro lado, percebe-se que as mulheres rurais possuem esta preocupação com o meio ambiente desde do início do processo produtivo agrícola até o ato de comercialização (Pittalis & Dias, 2019).
Em relação à característica empreendedora “Fator financeiro”, 39% afirmam que pesquisam uma linha de financiamento agropecuária antes de assinar; 45% afirmam que anota os custos/gastos envolvidos na produção agropecuária; 42% afirmam que as mulheres rurais sabem o lucro que obtém em cada atividade agropecuária. O fato das mulheres rurais estarem atentas e anotar os seus custos e receitas não justifica que elas possuem conhecimento técnico, mas, sim, conhecimento empírico sobre o assunto ao longo do tempo (Melo et al., 2016). O Planejamento e Monitoramento Sistemático faz com que a mulher rural planeja, confere e guarda registros financeiros para posteriormente tomar decisões acerca do seu negócio rural (Greatti & Senhorini, 2000).
A característica empreendedora “Gerenciamento pessoal” teve importância, porque 46% das mulheres entram em contato com as vizinhas próximas, caso necessitem de mão-de-obra para as atividades agrícolas. E, além disso, 40% afirmam que se houver a necessidade, elas buscam técnicos agrícolas ou veterinários para trabalhar na atividade agropecuária. Ao mesmo tempo, quanto à característica empreendedora “Organização da produção”, 48% utilizam ao máximo os recursos naturais que se encontram na propriedade rural; e 50% afirmam que apenas produzem algo na propriedade rural, porque o solo é fértil e a quantidade de hectares é o suficiente. Essas duas características se associam com o processo administrativo, que corresponde a planejar, organizar, dirigir e controlar os recursos que estão disponíveis na propriedade rural para atender determinado objetivo (SENAR, 2012; Oliveira, 2009). Essas características se associam às que foram elencadas por McClelland (1961), como Independência e Autoconfiança; e Exigência de qualidade e eficiência, onde procuram obter autonomia em diversos grupos, sendo líder em alguns contextos; e desempenham rapidamente com o menor custo, responsabilizando-se pelo cumprimento de prazos (Greatti & Senhorini, 2000).
A outra característica empreendedora “Aproveitamento de oportunidades” teve relevância nas seguintes afirmações: 60% afirmam que sempre buscam a melhor oportunidade para otimizar o meio rural; só que, por outro lado, 28% revelam que não aplicam as informações obtidas em cursos online ou palestras no meio rural. Nota-se que há uma busca por oportunidade e iniciativa com o objetivo de diversificar os produtos agrícolas (Greatti & Senhorini, 2000), conquistando novos espaços, como as feiras locais. Contudo, não aplicar os conhecimentos adquiridos numa palestra ou curso, parte do pressuposto de que a mulher rural empreendedora passa por barreiras que geram medo, frustração, estresse e raiva impedindo-a de crescer no seu negócio rural (Rodrigues et al., 2022), além da dificuldade de compreender determinados termos técnicos em consequência do seu nível de escolaridade, conforme observado em seu perfil socioeconômico.
E a característica empreendedora “Experiência comercial” teve destaque nas seguintes afirmações: 53% das mulheres rurais sabem vender determinado produto agropecuário; e 50% buscam melhorar as oportunidades que estão atreladas às vendas. Contudo, 32% admitem que não fazem marketing, pensando no produto, no preço, na propaganda e no ponto de venda. Embora haja um engajamento nas vendas, nota-se que a falta de conhecimento técnico está presente na vida destas mulheres rurais. Persuasão e rede de contatos são essenciais para estabelecer estratégias e atender as relações comerciais (Cella & Peres, 2002). Além disso, uma das estratégias de aumentar as vendas é estar aberto às inovações a partir das mídias sociais, inserindo o seu produto em e-commerce ou marketplace.
Em seguida, foi realizada a Correlação de Pearson para identificar quais são as principais características empreendedoras que se correlacionam da mulher rural do Sertão dos Inhamuns. A seguir o Quadro 4 apresenta estes resultados.
Quadro 4 – Correlação de Pearson das Características Empreendedoras
Correlação de Pearson |
Característica empreendedora |
Interpretação da correlação |
0,503 |
Planejamento x Envolvimento da família |
Cada membro da família tem sua própria função, porque a mulher rural realiza reuniões com os mesmos, definindo a melhor estratégia para cada atividade agropecuária. |
0,504 |
Planejamento x Experiência comercial |
Uma rotina planejada auxilia nas vendas de seus produtos agropecuários nos pontos de venda. |
0,481 |
Competência x Aproveitamento de oportunidade |
Quando a mulher rural possui habilidade em trabalhar no meio rural, ela também busca aproveitar as melhores oportunidades do campo. |
0,478 |
Fator financeiro x Experiência comercial |
Há uma relação entre entender as linhas de financiamento e realizar o marketing, considerando o preço, produto, praça e promoção, pois ambas as características se relacionam com recursos financeiros. |
0,475 |
Experiência comercial x Aproveitamento de oportunidade |
Com a experiência comercial ao longo do tempo, a mulher rural sabe como vender da melhor forma o seu produto agropecuário mesmo em períodos de baixa sazonalidade. |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).
Conforme o Quadro 4, existem 6 características empreendedoras que se relacionam entre si. O Planejamento e a Experiência Comercial se destacam por se tratar de características que as mulheres rurais empreendedoras do Sertão dos Inhamuns exercem ao longo de sua trajetória no campo. Ou seja, há planejamento e experiência comercial por estarem presentes há mais de 20 anos trabalhando no meio rural. Apesar de que o planejamento pode ocorrer algumas vezes de forma intuitiva no meio rural, a experiência comercial leva a mulher rural a aproveitar as oportunidades e a correlacionar os recursos financeiros entre as vendas e o acesso à crédito. Rocha e Carvalho (2022) reforçam que as mulheres rurais têm vontade, sinergia e características empreendedoras, entretanto, faltam, muitas vezes, ferramentas de planejamento, técnicas de gestão e orientação por parte dos órgãos responsáveis do meio rural, para que elas possam desenvolver e potencializar as características mais presentes no seu perfil.
E, por fim, a característica empreendedora Aproveitamento de oportunidade se relaciona com as características empreendedoras Competência e Experiência comercial. Isto é, a partir de uma oportunidade que surge no meio rural, a mulher rural une seu comprometimento e persistência, bem como insere exigência na qualidade e eficiência nas atividades agropecuárias presentes em sua propriedade rural. Por exemplo, em Israel, as mulheres rurais buscam a geração de renda e o desenvolvimento profissional a partir das oportunidades percebidas no meio em que convivem diariamente (Sofer & Saada, 2016). No Brasil, as feiras livres são um fator estimulante para a geração de renda para as mulheres rurais da agricultura familiar (Rocha & Carvalho, 2022). Logo, as mulheres rurais do Sertão dos Inhamuns podem se engajar e obterem renda a partir da potencialidade de suas características empreendedoras. Além disso, a união entre estas agricultoras dos municípios pertencentes a esta região do Estado do Ceará pode promover a formação de grupos formais e/ou informais e feiras livres de empreendedorismo feminino da agricultura familiar.
Os principais objetivos da pesquisa foram identificar o perfil desta mulher rural; mapear e correlacionar as características empreendedoras da mulher rural do Sertão dos Inhamuns. Percebe-se que os objetivos foram atingidos dentro do esperado a partir dos procedimentos metodológicos utilizados.
Quanto ao perfil, observa-se que as mulheres rurais do Sertão dos Inhamuns possuem uma faixa etária de 41 a 50 anos, são casadas e estão há mais de 20 anos no meio rural, a maioria atua na atividade agrícola e pecuária, e possuem apenas ensino fundamental. Apesar de que com o seu vasto conhecimento empírico adquirido ao longo de 20 anos, em que se ganha vantagem competitiva por meio do aprendizado de erros e acertos, nota-se que a mulher rural do Sertão dos Inhamuns deve estar aberta para as novas possibilidades que agregam valor naquilo que exerce enquanto trabalhadora rural. Pois um dos desafios de empreender no meio rural do Sertão dos Inhamuns está condicionado ao envelhecimento da população rural e, por consequência, à ausência de jovens empreendedoras rurais.
Percebe-se que a mulher rural do Sertão dos Inhamuns possui características empreendedoras, tais como: Competência, Compartilhamento de risco, Planejamento, Organização da produção, Gerenciamento pessoal, dentre outras. Com base na fundamentação teórica do artigo, observa-se que os resultados refletem ao que Cela e Peres (2002) e McClelland (1961) abordam acerca das características empreendedoras e motivações a ter um negócio, respectivamente. Entende-se que, tanto no meio rural, quanto no meio urbano, para empreender, é necessário identificar as características empreendedoras, porque essas também podem sinalizar o sucesso de um negócio.
No meio rural, a mulher do semiárido persiste por meio da resiliência, onde a própria agricultura e clima ensinam a ela essas características presentes no seu comportamento empreendedor. O compartilhamento de risco ainda é uma incógnita para essas mulheres, porém, o espírito de trabalhar em equipe, fornecendo mão de obra às vizinhas é um ato de engajamento e colaboração, conforme posto na literatura científica. Essa ação por meio de grupos fornece lugar de fala e de escuta para as mulheres rurais do semiárido, como argumentado por Moraes e Nascimento (2021) e Campos (2014)
Para melhor instrução sobre como gerenciar uma propriedade rural e obter lucro, as ferramentas de planejamento e de organização podem ser apresentadas a essas mulheres através de cursos ou palestras pelos órgãos vinculados (in) diretamente do meio rural, como a Ematerce, Sindicato Rural, Prefeitura Municipal e instituições de ensino da região. Através disso, existe a possibilidade de desenvolver e potencializar as características mais presentes do seu perfil, impactando em suas atividades agropecuárias. Vale destacar que esse tipo de ação fortalece o reconhecimento da mulher rural como trabalhadora em suas atividades agropecuárias e líder da sua propriedade rural, empoderando-a, mitigando a ideia de que a mulher rural é apenas ajudante na propriedade agrícola.
Como estudos futuros, sugere-se a aplicação de cursos voltados à educação empreendedora para potencializar as características observadas nestas mulheres rurais. A criação de cursos podem ser fornecidos por meio de projetos de extensão das instituições de ensino. A formulação de políticas públicas locais voltadas para este público também poderá fortalecer a presença da mulher no campo e reconhecê-la como trabalhadora rural.
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